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Welliton Caixeta, Professor de Antropologia do Direito (FD/UnB), sobre Paz nas prisões Guerras nas ruas

Parabenizo os amigos Renato Dornelles e Tatiana Sager pela publicação do livro “Paz nas prisões, guerra nas ruas”, cujo lançamento acontecerá em Porto Alegre/RS, no próximo dia 10/12 – Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Ricamente ilustrado pelo Fraga desenhos e com fotos de Sidinei José Brzuska, a obra conta com apresentação do Bruno Paes Manso e prefácio do prof. Michel Misse.

Chegou às minhas mãos, comecei a dissecá-lo e, de cara, percebo que o título, a estrutura e o roteiro da obra se coadunam com um dos argumentos que Analía Soria Batista (NEViS/UnB) e eu expusemos no artigo “Prisão como gueto: a dinâmica de controle e de extermínio de jovens negros pobres”, publicado na Revista Observatório (UFT).

Transcrevo um trecho sobre o que denominamos “paz muito violenta” percebida em muitos presídios brasileiros:

“(…) a guerra às drogas é muito mais do que uma política seletiva de encarceramento focada em jovens negros pobres. Ela é, na verdade, o pivô do aprofundamento do processo de guetização das prisões, na medida em que promove a seleção, do ponto de vista étnico-racial daqueles que serão confinados no gueto e moldados em práticas de violência e crueldade, como soldados de seus próprios exércitos suicidas, que passarão pela experiência excitante da guerra fratricida e/ou do estabelecimento de uma paz muito violenta.

Denominamos paz muito violenta aos interregnos temporais que se produzem a posteriori das batalhas que enfrentam as gangues entre si e com o Estado. Esses interregnos são momentos tensos de afirmação da autoridade repressiva do Estado e constituem a fase bélica do movimento pendular que caracteriza a dinâmica de relacionamento entre as gangues e o Estado, oscilando desde os enfrentamentos às negociações com os agentes sociais. Como veremos, uma paz muito violenta foi recentemente estabelecida pelo Estado nos presídios das regiões Norte e Nordeste do país. Essa paz muito violenta se caracteriza pela permanência da circunscrição e controle dos jovens negros pobres nas prisões, em um contexto de interdição das práticas das gangues contrárias à Lei de Execuções Penais, práticas que constituem a face de autonomia do gueto nos períodos em que prevalece a negociação entre os agentes sociais.

O Estado ora negocia com as gangues a continuidade das atividades criminosas nos presídios em troca da pacificação nos estabelecimentos ou, quando as gangues não cumprem os acordos, ameaçam com rebeliões e/ou lutam entre si, reprime e lembra sua autoridade no gueto, o que pode ser apenas um episódio momentâneo de retomada das prisões e rápido retorno à ‘normalidade’, ou se estender por algum tempo.

(…)

Em contexto de acordos explícitos e implícitos com os agentes do Estado, as gangues continuam com as atividades do tráfico de drogas nas prisões, recrutando novos membros de forma consensual ou forçada e com seu doutrinamento. Em troca, as gangues se comprometem à pacificação do presídio no sentido de evitar fugas, rebeliões e mortes. Todavia, trata-se de uma paz muito violenta na medida em que, além dos laços solidários entre os membros das gangues, também existem práticas de extorsões, ameaças e abusos entre os internos.”

Grato ao Renato e à Tatiana pela parceria nos projetos de divulgação de suas produções literárias e cinematográficas.

Agradeço também à equipe da Falange Produções, especialmente à Lisia Rassier de Andrade, pelo corre de sempre, e por providenciar o envio do exemplar.

Já devidamente incluído no meu plano de ensino da disciplina Antropologia do Direito, na FD/UnB. 

*Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/…/article/view/4285/12725

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